Introduzir novos gatos em ambientes em que já temos um ou mais gatos pode ser um desafio, e muitas dicas pela internet podem mais atrapalhar do que ajudar.
A introdução de um novo gato em uma residência pode parecer inicialmente uma situação fácil, mas na verdade, se a adaptação não for realizada da maneira ideal, podemos ter o bem-estar dos indivíduos envolvidos comprometido.
Gatos são animais territoriais, ou seja, encaram nossa residência como seu ambiente e defendem os recursos contidos nele, assim como fariam se estivessem na natureza. Em seu ambiente natural, gatos não pertencentes ao mesmo grupo social são vistos como inimigos, invasores que podem ameaçar seus recursos. Por isso, quando trazemos um gato desconhecido para nossa casa, tanto nosso gato residente, quanto o gato recém-chegado, podem reagir defensivamente, atacando ou se sentindo acuado (fugindo ou se escondendo).
Para que a chegada de um novo gato no ambiente não seja ameaçadora, diversas orientações devem ser colocadas em prática, para que o gato novo se sinta seguro nas “terras inimigas”, e para que o gato residente entenda que seus recursos não estão ameaçados, e assim consiga-se iniciar a intermediação de comunicações assertivas. No entanto, infelizmente muitas orientações existentes na internet podem prejudicar essa harmonização afetando a saúde física e emocional dos gatos.
O estresse gerado por uma adaptação entre gatos equivocada pode comprometer a saúde física e psicológica tanto dos gatos residentes quanto do gato recém-chegado. Pesquisas científicas revelam que residências multi-cat (com mais de um gato), que possuem conflitos e agressividade entre os gatos apresentam um índice que revela que os sinais de agressão já estavam presentes desde a introdução. Questões clínicas como alterações no apetite, obesidade, gastrite, cistite idiopática, entre outras, podem surgir em decorrência do estresse social gerado por uma introdução realizada de maneira equivocada. Alterações comportamentais que vão além de agressividade entre os gatos, como transtornos relacionados a ansiedade e frustração, podem ocorrer.
Para evitar que isso ocorra, seguem algumas dicas do que não fazer ao introduzir um novo gato no ambiente de outros gatos e dicas do que fazer nessas ocasiões:
- Não apresente os gatos de imediato. O gato introduzido deve ficar em um local separado dos demais gatos residentes e de preferência em um cômodo não preferido para ocupação por eles;
- Não utilize a caixa de transporte para apresentá-los. Quando colocamos um dos gatos em uma caixa de transporte estamos deixando-o sem controle algum da situação e promovendo estresse. Se colocamos o gato introduzido na caixa, estamos fazendo com que ele se sinta encurralado pelo residente, e se colocamos o residente, estamos fazendo o inverso. Por isso, devemos avaliar muito a fase ideal para iniciar o contato visual, muitas etapas são anteriores ao contato visual direto, para evitarmos confrontos futuros ou imediatos.
- Não deixe os gatos se verem por vidros ou telas nos primeiros dias. Os gatos quando não se conhecem, buscam os olhares para se confrontarem, quando ainda não criamos um canal seguro de comunicação entre eles, devemos evitar ao máximo que eles se vejam.
- Não utilize baunilha no pelo dos gatos. Odores adicionados ao corpo dos felinos não promoverão efeitos benéficos. Os gatos possuem uma intensa relação com seus odores corporais, adicionar um odor não característico dele em seu pelo pode promover estresse. Muitos relatos na internet indicam esta prática, mas não há nenhuma comprovação científica, portanto, os riscos são maiores do que os benefícios. Ao invés de adicionarmos odores em seu pelo, recomendamos a adição de análogos de feromônios faciais felinos, como o feliway classic, tanto no ambiente dos residentes, quanto no ambiente do novo gato. O feromônio facial felino promove uma sensação de bem-estar e conforto no ambiente, auxiliando na adaptação.
- Não adicione odores corporais do gato introduzido próximo à comida dos gatos residentes. Quando adicionamos o odor corporal do gato novo próximo a locais muito importantes para os residentes, ao invés de promovermos uma associação positiva, podemos causar o efeito inverso, fazendo com que o gato não coma ou não ocupe aquela localização. Algumas dicas na internet estimulam a adição de um cobertor ou flanela contendo o odor corporal do novo gato junto a comida do residente, esta manobra pode fazer com que o residente pare de comer, ao invés de proporcionar uma associação positiva. Para promover uma troca de odores eficaz, utilize brinquedos, arranhadores e coloque no ambiente de um para o outro, evitando localizações preferidas e procure reforçar positivamente (parabenizando ou premiando) quando o residente interagir com o objeto;
- Não avance etapas. A adaptação entre os gatos deve acontecer de maneira gradual, positiva e segura. Colocar os gatos no mesmo ambiente e “ver o que acontece” pode custar caro para a saúde dos indivíduos e promover uma readaptação ainda mais lenta após os conflitos estarem instalados. Aguarde sempre uma estabilidade da fase anterior para avançar para a próxima. Para adaptar gatos é necessário um ajuste de expectativas em relação a quanto tempo o processo pode durar.
Para que a realização de uma adaptação seja eficaz e segura, ela deve ser acompanhada por profissionais especializados em comportamento felino, que irão analisar todas as variáveis relacionadas como: idade, gênero, condições clínicas, ambiente social, ambiente físico, personalidade, histórico, pré-existência de traumas e fobias, entre outras questões que influenciam diretamente nas etapas, passos e gradualidade da adaptação.
Gatos podem conviver em harmonia em uma casa multi-cat, basta compreendermos suas necessidades e como a espécie se comunica. Entender as particularidades dos felinos e de cada indivíduo auxilia a proporcionarmos melhores condições de bem-estar e um ambiente harmonioso e feliz.
Por:
Dra Juliana Damasceno
Bióloga, Mestre e Doutora em Psicobiologia
Fundadora e Diretora da Wellfelis Comportamento e Bem-Estar Felino
Referências Bibliográficas
Elzerman, A. L., DePorter, T. L., Beck, A., & Collin, J. F. (2020). Conflict and affiliative behavior frequency between cats in multi-cat households: a survey-based study. Journal of feline medicine and surgery, 22(8), 705-717.
Roberts, C., Gruffydd‐Jones, T., Williams, J. L., & Murray, J. K. (2020). Influence of living in a multicat household on health and behaviour in a cohort of cats from the United Kingdom. Veterinary Record, 187(1), 27-27.
Rodan, I., & Heath, S. (2015). Feline behavioral health and welfare. Elsevier Health Sciences.
Stella, J. L., & Croney, C. C. (2016). Environmental aspects of domestic cat care and management: implications for cat welfare. The Scientific World Journal, 2016.
Muito bom